Ofício de Tradutor

Paulo Henriques Britto

Entrevista a Mauri Furlan & Walter Carlos Costa


Publicada originalmente nos Cadernos de Tradução
(Florianópolis: NUT-UFSC, n.2, 1996).

Paulo Henriques Britto é um dos tradutores mais produtivos e competentes do país, um tradutor que exerce de forma exemplar o seu ofício. Concentrando-se em um par de línguas e em um tipo de texto, o literário, Paulo traduziu e traduz ensaio, ficção e poesia. Entre os autores de prosa que soube reescrever com mestria estão os abundantes e tranqüilos Edmund Wilson, Updike e Rushdie, mas também o retorcido Henry James e o espinhoso Thomas Pynchon. Na poesia recriou textos complexos como o Beppo, de Byron e a elusiva poesia modernista de Wallace Stevens e Elizabeth Bishop. Bishop ocupa um lugar especial na produção de Paulo porque além da quase totalidade dos poemas, traduziu também parte de sua correspondência e escreveu ensaios minuciosos sobre sua vida e obra. Ressalte-se, finalmente, que Paulo, que é bilingüe, traduziu para o inglês livros de dois de nossos melhores críticos, Luiz Costa Lima e Flora Süssekind. (Walter Carlos Costa)

Paulo, depois de 23 anos de atividade tradutória e com mais de 100 títulos publicados, você hoje é reconhecidamente um profissional qualificado de tradução. O que é ser tradutor? Quais os resultados exigidos para tal? O que significa ser tradutor no Brasil?

Para ser tradutor, é necessário acima de tudo saber ler e escrever bem na língua para a qual se traduz — o português, no nosso caso. Também é importante conhecer muito bem uma outra língua, a língua da qual se traduz — no meu caso em particular, o inglês. Mas esse segundo requisito não é absolutamente vital como o primeiro. Já vi casos de uma pessoa fazer uma excelente tradução de uma língua que ele não conhece muito bem, consultando falantes nativos, dicionários, etc. Agora, uma pessoa que domina mal o português fazer uma tradução excelente para o português é simplesmente uma impossibilidade. Outras coisas que ajudam são dispor de uma ampla cultura geral, ser um leitor insaciável, ter um interesse onívoro por assuntos os mais diversos (mesmo os aparentemente irrelevantes), amar os dicionários, as enciclopédias, as gramáticas.
Quanto à questão de ser tradutor no Brasil, com relação ao último item — os dicionários, as enciclopédias e as gramáticas — estamos muito mal servidos. Dispomos de poucas fontes de consultas boas. No mais, a situação profissional do tradutor brasileiro está longe de ser ideal, mas tem melhorado muito nos últimos vinte anos.

Além de tradutor você também é professor de tradução, em suas várias modalidades, especialmente de tradução literária. Historicamente, a prática da tradução antecede a reflexão sobre esta prática, e há inúmeros exemplos de traduções que se tornaram obras-de-arte, feitas por tradutores não-teóricos. Até que ponto a teoria da tradução é ou pode ser importante para a prática da tradução, e contribuir para a qualidade da tradução?

É perfeitamente possível ser excelente tradutor sem ter qualquer formação teórica na área de tradução. Por outro lado, toda a prática tradutória está associada a uma postura teórica, ainda que implícita e inconsciente, de modo que a reflexão teórica tem o efeito de tornar o tradutor mais cônscio do que antes, o que só pode fazer bem para a qualidade do seu trabalho.
Não sou grande conhecedor de teoria, mas faço minhas leituras e tenho minhas preferências. Vivemos um momento de grandes radicalizações no campo da teoria da tradução — teorias feministas, desconstrutivistas, anticolonialistas, etc. — e de conseqüentes reações conservadoras. Minha posição pessoal é moderada, um pouco mais para o conservador. Acho interessantes as questões que estão sendo levantadas pelos teóricos radicais, mas tendo a discordar das conclusões que eles tiram. Um bom exemplo disso é a questão da transparência do tradutor: tendo travado conhecimento com todos os questionamentos que estão sendo feitos ao conceito de transparência, concordo que, de fato, o tradutor jamais pode ser transparente, que sua tradução sempre conterá marcas pessoais suas, que a postura de transparência pode até contribuir para a desvalorização do seu trabalho no mercado. No entanto, continuo achando que a minha meta, ao traduzir um texto literário, não pode ser outro que não tentar reproduzir no meu idioma, dentro das minhas possibilidades, os efeitos textuais do original. Ou seja: continuo querendo ser transparente, ainda que não tenha ilusões sobre a possibilidade de uma transparência absoluta. Um exemplo de teórico cujas posições me parecem sensatas é o australiano (radicado na Espanha) Anthony Pym. Respondendo a alguns teóricos contemporâneos, os quais não vêem nenhuma diferença essencial entre escrever e traduzir, e que acham importante o tradutor deixar uma marca explícita sua no seu trabalho, Pym responde que, se o tradutor quer que sua voz de tradutor seja ouvida de modo explícito, que escreva uma introdução, um postfácio, notas de rodapé — ou, melhor ainda, que publique um artigo ou um livro. Quando leio Thomas Mann traduzido para o português por Herbert Caro, é porque quero ler Mann e não sei alemão, e não porque quero ler Herbert Caro.

Apesar de muitos autores como Borges, Meschonnic, e outros, reconhecerem na tradução um caráter de literatura na língua de chegada, parece ser ainda um consenso entre os leitores comuns e mesmo entre os mais letrados que traduzir é trair. Como você se posiciona frente a esta afirmação?

A afirmação de que traduzir é trair é fruto de um impulso que pode ser resumido na expressão “ou tudo ou nada” — ou nesta outra formulação, dostoievskiana: “Se Deus não existe, tudo é permitido.” A meta do trabalho do tradutor é, ou deve ser, a meu ver, a transparência — a reprodução na língua B de todos os efeitos textuais de um original na língua A. Isso, naturalmente, é impossível, já que os recursos dos dois idiomas não coincidem, e a intenção do autor do original é inatingível, e o tradutor não consegue evitar se colocar na tradução, e mais todas as outras razões levantadas pelos teóricos radicais de nosso tempo. Bem, se a tradução não é perfeita — é esta a conclusão dostoievskiana — então é uma traição, é uma falsidade. E neste caso — é a conclusão de alguns teóricos radicais —, já que é mesmo impossível a tradução perfeita, já que mesmo sem querer vou colocar coisas minhas na minha tradução, que afinal de contas é um texto meu, o que me impede de colocar minha própria indignação contra o tratamento dado pela sociedade atual à mulher, ao homossexual e aos povos nativos nesta minha tradução de Ovídio? É o mesmo impulso que há por trás de um raciocínio como: já que não posso ser uma pessoa totalmente perfeita, imitação irretocável de Cristo, então vou me tornar um criminoso totalmente amoral. Humano, demasiadamente humano. Mas muito pouco sensato, a meu ver.


A história da tradução apresenta exemplos de tradução que foram cruciais para o reconhecimento do texto original, como foi o caso das traduções de Poe feitas por Baudelaire. Pode-se criticar uma tradução que supere o original? Qual o desejo maior de um tradutor enquanto traduz? Para ser tradutor é preciso ser ou se tornar um escritor?

Bem, minha posição pessoal é que, no caso do texto literário, não se deve tentar melhorar o original. Agora, nada impede um escritor criativo de, com base num texto cujas limitações ele percebe, criar um outro, em língua diferente, que tente superá-lo. Ou, em termos mais gerais, nada impede que o escritor crie uma obra em seu idioma inspirada em uma obra escrita em idioma diferente. Mas nesse caso acho melhor falar em “imitação” que em tradução. É claro que todo tradutor é uma espécie de escritor. Mas é uma espécie muito específica de escritor: aquele que põe seu domínio a serviço de outro escritor que trabalha em outra língua. A partir do momento em que ele não assume uma atitude de total humildade em relação ao original, ele não é mais tradutor, e sim escritor tout court, como o Edward Fitzgerald do Rubáiyát of Omar Khayyám. Quando leio o Rubáiyát of Omar Khayyám, tenho plena consciência de que estou lendo uma obra de Edward Fitzgerald inspirada em Omar Khayyám.


Na antigüidade clássica, a originalidade não era um quesito para o reconhecimento de um bom autor, o que conferia a muitos tradutores o estatuto de autor. Por outro lado, há também muitos exemplos de autores que elogiam o trabalho de seus tradutores. Você se sente co-autor dos autores que traduz? Quando traduz de autores vivos, você estabelece algum tipo de relação com eles?

A tradução não deixa de ser uma co-autoria, ainda que o tradutor seja necessariamente o junior partner da dupla. Sim, quando traduzo autores vivos me correspondo com eles sempre que posso, para esclarecer minhas dúvidas.

A tradução na Roma clássica e no Renascimento teve aspectos claros de incursão em e transformação da língua de chegada. Também W. Benjamin (1923) defende que o tradutor deve deixar a língua de chegada mover-se através da língua estrangeira, deve ampliar e aprofundar a própria língua graças á língua estrangeira. Você vê na tradução hoje alguma atuação no sentido de interferir, contribuir ou promover mudanças no português do Brasil?

A tradução sempre amplia e renova a língua de chegada, introduzindo nela no mínimo um léxico novo, mas também inovações formais, prosódicas, até mesmo sintáticas. O ideal é que estas contribuições sejam oportunas e criativas, e não redundantes e ditadas pela mera preguiça do tradutor. Um exemplo positivo é a introdução no inglês da oitava-rima, forma originariamente ibérica, através de traduções de poetas italianos, que permitiu a Byron a criação de sua obra-prima, Don Juan. Outro exemplo seria o ingresso do termo “privacidade” no português, uma palavra útil que veio do inglês. Por outro lado, temos exemplos negativos, como a introdução no português de “evidência” no sentido de “indício, prova”. Isso é negativo porque a palavra “evidência” já existia com a acepção de “aquilo que é evidente, que dispensa indícios ou provas”, desse modo gerando confusão no campo semântico em questão.


Apesar de sua prática de tradução estar mais vinculada à língua inglesa, você também traduziu poemas de Catulo, do latim. Traduzir do inglês e do latim significa simplesmente traduzir de duas línguas estrangeiras ou há aspectos distintos maiores por se tratar de uma língua viva e de uma língua “morta”? Os requisitos para a tradução são os mesmos para ambas as línguas? Não é um contra-senso dizer que se traduz de uma língua “morta”?

Minha experiência como tradutor do latim é demasiadamente limitada para que eu possa tirar dela qualquer conclusão.


No histórico de sua prática de tradução se evidenciam dois processos: da língua estrangeira para o português e do português para a língua estrangeira. Os problemas de tradução são os mesmos em ambos os processos? Ou, em que se diferenciam?

São duas coisas muito diferentes. Embora o inglês seja para mim algo mais que uma língua estrangeira, já que o aprendi antes da puberdade e convivo com ele quase cotidianamente desde então, traduzir do português para o inglês é para mim sempre uma certa forçação de barra, uma atividade “antinatural” em algum sentido do termo. Para resumir, eu diria que ao traduzir do inglês para o português meu trabalho é basicamente subtrativo: ocorrem mil possibilidades e eu vou excluindo várias até chegar à melhor: enquanto que ao fazer versão o processo é somativo: vou somando esta e aquela solução até conseguir traduzir o todo. Não há, na versão, a abundância de possibilidades que ocorre na tradução, e sim a construção laboriosa de uma única solução, claramente não a ideal, mas a melhor de que sou capaz. Por esse motivo, evito verter para o inglês obras literárias, limitando-me a trabalhar com textos ensaísticos.

Você já traduziu vários autores “canônicos”. As exigências e responsabilidade na tradução de tais autores é diferente daquela de não-canônicos?

Sem dúvida, porque a tradução de um autor canônico é uma tradução que você sabe que vai ser lida mais atentamente, talvez comparada com outras traduções anteriores e posteriores. Você sente uma responsabilidade maior.


A partir de sua prática de tradução você consegue avaliar a tradução realizada em outros países e compará-la com o que é feito no Brasil? Como você vê a tradução no Brasil hoje? Há gêneros melhor traduzidos que outros? Você pode avaliar a qualidade da tradução da literatura brasileira no exterior?

Não tenho condições de avaliar a tradução em outros países, ou de literatura brasileira para o inglês. Quanto à tradução no Brasil de hoje, eu diria que a qualidade média do texto traduzido tem melhorado progressivamente. Um gênero que tem se destacado muito nas últimas décadas é a poesia.


O que é que ainda não foi mas deveria ser traduzido hoje no Brasil? Você poderia citar algumas traduções que admira ou gostaria de ter feito?

Falta traduzir tanta coisa... Para só citar um exemplo da língua inglesa: apenas uma parte muito pequena da obra de Henry James já existe em português. Traduções que eu admiro muito: o Hopkins de Augusto de Campos, os sonetos de Shakespeare de Jorge Wanderley, o Kafka de Modesto Carone, para só citar exemplos mais recentes.

Além de tradutor, você é poeta e escreve ensaios. O que é para você ser criativo através dos outros e criativo por conta própria? Até que ponto as duas atividades de autor se complementam ou se contrapõem?

Já falei um pouco sobre isso. Mas eu poderia acrescentar que há uma influência do meu trabalho de tradutor sobre o meu trabalho de poeta, sim. Não tenho dúvida de que a leitura e eventual tradução de poetas de língua inglesa contemporâneos, como Ginsberg e Bishop, reforçou a minha tendência a trabalhar cada vez mais com a língua coloquial, a valorizar o potencial poético das palavras mais simples e despidas de toda e qualquer aura.


Como você se decidiu a traduzir? Como é que você conseguiu traduzir tanto e em gêneros tão diversos?

Molière dizia que escrever é como fazer sexo: você começa a fazer por amor, depois faz por amizade, e por fim faz por dinheiro. A tradução para mim foi um pouco assim. Ainda adolescente, eu gostava de tentar traduzir coisas que me interessavam, trechos do Finnegans wake, letras de Jim Morrison e Bob Dylan, para meu próprio prazer; quando fui estudar na Califórnia, traduzia letras de Caetano Veloso para o inglês para mostrar aos amigos. Quando comecei a ganhar a vida como professor de inglês, fazia traduções de vez em quando para incrementar a renda. Pouco a pouco a tradução foi se tornando mais importante para mim, até se tornar minha atividade principal. Mas não acho que eu trabalhe em muitos gêneros diversos: eu me restrinjo a textos literários e à área de ciências humanas e sociais.


Você acha que a tradução técnica difere muito da tradução literária ou de textos da área de humanas em geral?

A tradução de textos técnicos envolve questões muito específicas. O principal problema é a terminologia, o levantamento ou mesmo a criação de termos técnicos, o que implica pesquisa e bons conhecimentos de etimologia e morfologia. Além disso, o tradutor especializado numa área técnica deve também ser um bom conhecedor da área técnica em questão. Idealmente, o tradutor de medicina, por exemplo, deve ter alguma formação em medicina.


Como é o seu dia-a-dia de tradutor?

Traduzo uma média de seis ou sete horas por dia. Reservo as manhãs quase sempre à tradução literária; as tardes (e às vezes as noites) são para os trabalhos de tradução ou versão de papers, conferências ou coisas assim. A noite é a hora em que leio e escrevo. Mas não é uma rotina absolutamente rígida. De vez em quando sou obrigado a interromper o livro que estou traduzindo para dar uma virada e fazer uma tradução ou versão de um artigo em um ou dois dias.


Como tem sido a relação tradutor-editor no seu caso?

No começo, passei por várias editoras, tendo todo tipo de experiência positiva e negativa. Mas desde que a Companhia das Letras foi criada há dez anos que ela é praticamente a única editora para a qual traduzo, com exceção de uns três livros que verti para o inglês para a Stanford University Press. Tenho uma ótima relação com essas duas editoras.


Você acha que os direitos autorais de uma tradução deveriam ficar com o tradutor?

O tradutor tem direito a uma parte dos direitos autorais, direito esse que é garantido pela lei no Brasil. Só que, nesse caso como em tantos outros, a lei não pegou para a grande maioria dos tradutores.

Você traduz poesia, um gênero considerado por muitos de difícil ou impossível tradução. Quais são suas concepções sobre tradução de poesia? Como você se situa frente à poesia traduzida no Brasil?

A tradução de poesia é, de um ponto de vista, a mais difícil de todas, já que a poesia trabalha com a linguagem em todos os planos — o poema mobiliza sons, imagens, idéias, tudo. Por outro lado, justamente por isso, é o gênero que dá mais liberdade ao tradutor, em que ele exerce sua criatividade ao máximo. Acho bobagem essa história de “transcriação” poética — tradução de poesia é tradução mesmo. Há da boa, da média e da ruim, como em tudo. Augusto e Haroldo de Camos fazem da boa — aliás, fazem melhor que ninguém. Foi estudando o trabalho deles que aprendi mais a respeito de tradução de poesia. Temos também outros bons tradutores nessa área, como Jorge Wanderley, Sebastião Uchoa Leite, José Paulo Paes...


Você acha que é possível formar um bom tradutor dentro de um quadro institucional, especialmente dentro da Universidade?

Sim, por que não? A tradução é uma atividade como outra qualquer. Desde que a pessoa tenha os requisitos básicos e ponha a mão na massa, ela pode aprender. A formação universitária só ajuda.


Como você vê a crítica da tradução? Ela existe? É positiva, nociva?

De modo geral, os críticos ignoram solenemente o tradutor ao discutir a obra traduzida. Na melhor das hipóteses, tudo o que aparece é um adjetivo: “na competente tradução de Fulano...” e toca a discutir o livro, que é o que importa. Na pior, a referência à tradução é feita num parágrafo final, onde são apontadas duas ou três “pérolas”, seguidas do comentário: “Porém os absurdos da tradução não chegam a comprometer a leitura da obra, a qual...” Mas o mais comum mesmo é o tradutor não ser nem mesmo mencionado. Só em tradução de poesia é comum dar-se atenção ao pequeno detalhe de que o livro original não foi escrito em português, que outra pessoa que não o autor foi responsável por colocar em ordem as palavras que o leitor tem diante de seus olhos.


Você revisa as traduções para uma segunda edição da obra?

Até hoje, só uma vez uma obra por mim traduzida foi reeditada, e nesse caso corrigi alguns erros detectados por leitores.


Em que sentido os avanços recentes como os dicionários eletrônicos e a Internet facilitam ou complicam seu trabalho?

Só facilitam. Leva muito menos tempo consultar um dicionário eletrônico já carregado no computador do que abrir um dicionário encadernado — e olhe que eu levo às vezes menos de vinte segundos para abrir o livro, encontrar o verbete, ler o que me interessa e fechar o volume. Com o dicionário on-line às vezes a consulta se reduz a menos de cinco segundos. Quanto á Internet, uso-a relativamente pouco como auxílio direto à tradução. Mas graças ao correio eletrônico consulto pessoas que podem me ajudar com relação a este ou aquele termo de modo mais eficiente que seria possível via correio — e bem menos intrusivo que por meio do telefone.


O que você acha da tradução automática ou da tradução com auxílio de programas de computador?

Como não trabalho com tradução técnica — a única que pode ser automatizada — não tenho opinião formada sobre o assunto. Mas imagino que cada vez mais textos como manuais técnicos, normas, etc., tenderão a ser redigidos de modo padronizado a fim de facilitar a tradução automática.


Você lê traduções de obras que você pode ler no original?

Normalmente, procuro ler no original. Mas às vezes eu tenho o livro traduzido à mão, e não disponho do original; se a tradução é boa, leio sem nenhum problema. E no caso da poesia, faço questão de ler as traduções de poetas de meu interesse.


Qual é seu método de tradução e como você chegou a ele?

Meu método é dividir a tarefa em três partes: (1) rascunho, com fartas consultas a dicionários, glossários, enciclopédias, etc.; (2) cotejo entre original e tradução, com consulta principalmente ao dicionário de inglês; (3) revisão final do texto em português, com eventuais consultas principalmente ao dicionário de português. O cotejo é feito ao final de cada capítulo ou outra divisão da obra; a revisão é feita quando o texto já está todo rascunhado e cotejado. O método se desenvolveu naturalmente dentro de minha rotina de trabalho.


Você acha que os “Estudos de tradução” constituem um campo legítimo de estudo dentro da Universidade? Qual deveria ser, em sua opinião, o seu perfil?

Sem dúvida, é um campo que tem implicações relevantes não apenas para a formação de tradutores práticos como também para áreas como lingüística, literatura e filosofia. A meu ver, o ideal é que nos cursos introdutórios seja apresentada uma visão geral da história da disciplina e das principais tendências do momento, e os cursos avançados possibilitem ao aluno trabalhar dentro de uma linha de seu interesse pessoal.

Reproduzida com autorização dos editores e do entrevistado.
Imagens: Escritório do Livro