Emery Walker
(1851 - 1933)

Gravador por formação, Emery Walker foi um dos mais célebres tipógrafos de sua época e apontado por Sydney Cockerell como o pai de todo o movimento das private presses, embora, de temperamento sereno e modesto, tenha talvez sido ofuscado pelas personalidades mais vívidas com as quais trabalhou (Morris, Cobden-Sanderson, Bruce Rogers). Uma palestra sua, proferida na Arts & Crafts Exhibition (Londres, 15 novembro 1888), foi o elemento deflagrador que levou William Morris a se dedicar de fato à sua paixão pela feitura de livros, à criação de tipos e à fundação da Kelmscott Press, da qual Walker seria um fiel e precioso colaborador. Walker escreveu pouco e não costumava redigir suas palestras, deixando parco registro de suas idéias e seu trabalho. O ensaio a seguir foi publicado num número especial do The Times sobre tipografia (29 de outubro de 1929) e posteriormente em Printing in the Twentieth Century: A Survey (Londres: Times Publishing Company, 1930). (D. B.)

Imprimindo Belos Livros

Alguns princípios

Tradução de Bárbara Leal

Página da Bíblia produzida pela Doves Press,
com tipo desenhado por Emery Walker.

As características essenciais de um belo livro no seu aspecto material, conteúdo literário à parte, dependem de três coisas: primeiro, o papel; segundo, o tipo e sua disposição; e terceiro, suas ilustrações, se requeridas como suplemento do texto.

O papel sempre foi feito de fibra vegetal e, até a introdução das máquinas, uma folha por vez, a mão. Em livros nos quais o custo não é de primeira importância, usa-se freqüentemente papel manufaturado, o qual, quando feito de trapos de linho ou algodão embranquecidos por desgaste e lavagem, e não por produtos químicos, tem um caráter próprio. Mas deveria existir um bom papel, feito por máquinas e apropriado para uma bela impressão. Tal papel, sem linhas impressas imitando as linhas d'água do papel artesanal, nem falsas “barbas” (bordas não aparadas), pode ser fabricado a partir de bons materiais. Há tempos que a Inglaterra vem apresentando uma superioridade em relação aos melhores papéis manufaturados. Eles são caros, e é de temer que papéis mais baratos e inferiores da Holanda, França e Itália estejam, às vezes, tomando seu lugar. Tanto quanto algumas marcas de papéis industrializados conhecidos como “de fôrma”, embora sejam produzidos em máquinas de cilindro, não em fôrmas como os papéis manufaturados. A espessura do papel deve variar de acordo com o tamanho da página; papel grosso é muito questionável para livros pequenos onde, quanto mais fino for, melhor, desde que ao mesmo tempo mantenha a opacidade.

A primeira consideração no projeto gráfico de um livro visando a ser belo é adequar o tamanho do tipo ao tamanho da página. Um livro grande deve ter um tipo de tamanho suficiente para ser lido sem inconveniências. Tipos pequenos eram usados principalmente na produção de livros em que a economia era uma finalidade, menos papel sendo requerido — uma questão importante quando todo papel era feito a mão, e caro. É um hábito freqüente a inserção das chamadas “entrelinhas” entre as linhas tipográficas; é uma vantagem quando o livro é produzido com uma letra pequena. Mas uma melhor solução é compor em um tipo de tamanho maior, sem entrelinhas, ou com entrelinhas muito finas. Assim, a mesma quantidade de texto pode ser impressa na página, e de modo mais legível (na impressão, o tamanho contribui para a legibilidade), do que com o tipo pequeno “entrelinhado”. A composição não fica mais cara e a quantidade de papel não fica maior.

Até a introdução das máquinas de composição há alguns anos, a escolha de tipos bem desenhados era relativamente limitada. A princípio, como as máquinas eram usadas principalmente para a impressão de jornais, em que o desenho do tipo não é considerado muito importante, desde que este seja legível e não largo demais — i.e. que não ocupe mais espaço — as “fontes” disponíveis eram, quando muito, medíocres do ponto de vista estético. Porém, nos últimos anos, as companhias que controlam essas máquinas de composição têm dedicado enorme atenção à produção de tipos de desenho diferenciado. Alguns desses tipos são copiados ou adaptados das melhores fontes italianas e francesas do século dezesseis. Entretanto, só estão disponíveis aos compradores das máquinas, o que é uma desvantagem para o pequeno tipógrafo. As melhores oficinas impressoras hoje em dia dedicam considerável cuidado ao espacejamento parelho entre as palavras, aspecto que era antes muito neglicenciado.

O próximo ponto a ser considerado é o que chamamos de “imposição” — ou seja, a disposição das páginas em relação umas às outras e formato do livro. Certos exemplos mais antigos de feitura de livros manuscritos ilustram admiravelmente este princípio — ou seja, as duas páginas devem ser consideradas uma unidade, e as margens conseqüentemente dispostas ao seu redor. As margens mais estreitas devem estar no que os encadernadores chamam de “medianiz” do livro, vindo a seguir o topo da página (por isto, a medição deve geralmente ser feita, se o título corrente for pequeno, a partir do topo do texto e não do topo do título corrente), sendo as margens dianteiras ainda mais largas, e a margem inferior, ou do “pé”, a mais larga de todas.

Não é incomum, embora mais raro hoje em dia, imprimir alguns exemplares de um livro em uma folha de papel maior que os exemplares comuns. São os chamados exemplares “de folha grande”. Quando se toma o cuidado de adaptar o tamanho do tipo ao tamanho da página e do papel, parece absurdo imprimir o livro em um tamanho maior. Causa tanto prejuízo ao livro ser impresso em papel muito grande para a mancha tipográfica, quanto com margens excessivamente pequenas. Este hábito de se fazerem exemplares de “papel grande” pode pode ter origem em um antigo costume dos encadernadores de cortar as margens quando reencadernavam um livro. Se o livro fosse popular, podia ser reencadernado mais de uma vez, e uma cópia não cortada era relativamente rara de se encontrar. As margens apropriadas ao livro original não servem para um livro maior. Às vezes as páginas são reimpostas e o excesso de margem redistribuído, a mancha tipográfica parecendo então demasiado pequena para o papel.

Outro aspecto relacionado à produção de livros destinados a serem belos deve ser considerado. Certos livros, especialmente os publicados por editores franceses, são às vezes anunciados como sendo impressos em vários papéis — Whatman, japonês, holandês & etc. Quando um livro caro é vendido, talvez por muitas libras, a edição inteira decerto deveria ser impressa no papel mais adequado, independentemente do custo. Cerca de uma libra a mais provavelmente cobrisse a diferença de custo entre o papel mais caro e o mais barato. O chamado papel “velino” japonês, que se acredita ser feito em máquinas européias a partir da fibra de determinados vegetais, possui uma cor de marfim lindamente nítida e propicia uma brilhante impressão do tipo; mas o papel, caso o livro seja muito manuseado, vai adquirindo uma textura de flanela realmente deplorável. Certamente valeria a pena abrir mão de um pouco do brilho e usar um bonito papel inglês manufaturado que sempre irá manter seu estado original. Livros impressos em velino são, às vezes, embora nem sempre, tão atrativos quanto os impressos em papel realmente bom; mas os colecionadores geralmente valorizam tais exemplares por sua raridade e provavelmente continuarão a fazê-lo.

A maioria dos livros belos contêm ilustrações, que são importantes e devem ser reproduzidas e impressas pelo método mais apropriado à dignidade do livro, como cobres, esboços, fotogravuras, fototipos em preto e branco ou coloridos, todos devendo ser impressos em separado do texto ou, em alguns casos, dos desenhos a traço, que podem ser impressos junto aos tipos ou no próprio papel do livro. Isso excluiria o uso de pranchas em meios-tons, que exigem um papel couchê de superfície polida. No entanto, se forem usadas pranchas em meios-tons para a impressão a três ou quatro cores, a melhor maneira é cortar as impressões rente à superfície impressa e montá-las no “próprio” papel do livro; isso evita a deplorável margem lustrosa e proporciona uma unidade que não se obtém de outro modo. Às vezes, essas imagens são simplesmente fixadas por uma das bordas ao suporte, tornando-se, conseqüentemente, muito propensas a serem danificadas no fechamento do livro.

Recursos para a ilustração de livros têm aumentado muitíssimo nos últimos cem anos, e mais rapidamente ainda nos últimos quarenta anos. No século dezoito, a impressão por cobres gravados era praticamente a única maneira de reproduzir ilustrações. A xilogravura, cujo uso foi popularizado, se não inventado, por Bewick no final do século, introduziu um método mais simples e barato e, em paralelo com a litografia, suplantou o processo mais antigo. Foram suplantadas, em larga escala, pelos diversos processos fotográficos, sendo que o mais popular e barato, o meio-tom, promoveu uma completa revolução na ilustração de livros e jornais. A grande desvantagem de tal processo é a necessidade de papel cuchê pesado para qualquer coisa a não ser para a impressão do jornal, comparativamente grosseiro. Os únicos métodos apropriados a um belo livro, além de cobres gravados ou litografia, são a fototipia e fotogravura, ou desenhos a traço impressos tipograficamente. Todos esses cinco métodos podem ser impressos em papel destituído do criticável revestimento.

Finalmente, uma palavra deve ser dita em relação à inserção, em um livro, de páginas de papel fino com o título da ilustração precedendo a placa. A tinta usada na impressão de cobres não seca com muita rapidez e, por isto, ao se inserir as impressões no livro, costumava-se colocar sobre elas um pedaço de papel de seda, para evitar borrões quando o livro fosse prensado pelo encadernador. Em seguida, no lugar do papel de seda, removível quando secasse a tinta, fixava-se uma folha de papel fino, utilizada para imprimir a legenda da figura. Na opinião do escritor, o lugar natural de se colocar a legenda de uma ilustração é abaixo da figura, e não em uma página que tem de ser virada antes de a legenda ser lida. Como hoje todos cobres são acerados antes de serem impressos, não há real motivo para serem fixados fora do texto, especialmente os impressos para a edição do livro.

É interessante lembrar que o moderno renascimento da bela impressão se originou na Inglaterra. Antes de William Morris produzir o excelente e singular trabalho da Kelmscott Press, o nível médio da impressão de livros decaíra bastante, especialmente no que toca o desenho do tipo — a impressão em si muitas vezes era boa — apesar de, no século dezoito, Foulis, de Glasgow, sem mencionar alguns mestres anteriores, e William Pickering, terem feito muito para resgatá-lo. Os senhores St. John Hornby, da Ashendene Press, Robert Gibbins, da Golden Cockerel Press, Maynard, da Gregynog Press, Bernard Newdigate, da Shakespeare Head Press, Francis Meynell, e as editoras das universidades de Oxford e Cambridge realizaram todos um trabalho admirável. A inspiração originou-se em William Morris, embora aparentemente não haja, em muitos casos, muita semelhança. Morris mostrou como um livro impresso pode ser, em si, uma obra de arte.

Ornamentação de Livros

O elemento que contribui para o sucesso da ornamentação de livros é uma perfeita harmonia entre a página do tipo impressa mecanicamente e as criações do artista destinadas a decorá-la. Muitas vezes, ilustrações adequadas para elucidar o texto não têm o menor valor na ornamentação da página. A mancha tipográfica é uma trama acinzentada e qualquer coisa a ser impressa e em conformidade a ela deve harmonizar-se ou apresentar um contraste agradável. Geralmente, a melhor maneira de se obter esta harmonia é fazendo os desenhos a traço; o aspecto realmente importante é que o desenhista deve trabalhar junto com o tipógrafo e, se conhecer suficientemente o lado prático da impressão, deve controlar o tipógrafo. Por falta desta cooperação, os ilustradores Pré-Rafaelitas — Millais, Frederick Walker, A. B. Houghton, Sandys, e outros — não conseguiram fazer livros ornamentados no real sentido do termo. O Tennyson, de Moxson, de 1857, é repleto de desenhos admiráveis, mas sem relação alguma com o tipo. Os gravadores que tentaram fazer um fac-símile dos desenhos depararam-se, na maioria dos casos, com uma tarefa acima de sua capacidade, e mesmo quando conseguiam agradar ao artista, as xilogravuras eram completamente desarmoniosas em relação ao tipo.

É interessante lembrar que o desenho de Rossetti para o frontispício do Goblin Market, de sua irmã Christina, publicado cinco anos mais tarde, foi talhado por um amador, Charles Faulkner, professor da Universidade de Oxford que sofrera a influência de William Morris e revela mais instinto tipográfico, embora tampouco tenha sido respaldado pelo tipógrafo. Em todo caso, o artista deve fazer seus desenhos de um modo passível de ser reproduzido, seja por pranchas, seja por entalhes em madeira desenhados de tal forma que apresentem uma relação mecânica com o tipo. Os artistas que se propõem a fazer desenhos para decorar um livro têm, consciente ou inconscientemente, trabalhado desta forma.

O desenho não precisa ser o que geralmente se chama de “ornamental” — i.e., ligado a uma escola ou período artístico; mas é essencial que possa ser impresso no, ou com, o tipo; em outras palavras, os desenhos para as pranchas devem poder ser gravados ou reproduzidos para permitir o que vem a ser espécies de tipo relativamente mais complicados. Muitos ornamentos realizados segundo esses princípios foram desenhados nos últimos anos pelo Sr. Bruce Rogers e outros, que se propuseram a resgatar o que, no mostruário dos fundidores de tipo do século dezoito era chamado “floreado”. Estes são compostos por elementos simples dispostos como tipos e combinados pelo tipógrafo segundo seu gosto. Mas qualquer desenho realizado em estrita harmonia com o tipo tende a tornar as páginas decorativas.

Nos primórdios da tipografia, quando prelos manuais, e leves, eram o único método disponível para a impressão, os gravadores de ilustrações eram obrigados a adaptar os desenhos às possibilidades da prensa, e as xilogravuras produzidas eram adequadas a tal impressão. Os livros dos séculos quinze e início do dezesseis das prensas alemãs, italianas e francesa eram forçosamente ornamentais. Com as máquinas modernas que irão imprimir perfeitamente qualquer espécie de prancha passível de se imprimir com o tipo, o artista desenhista deve ter sempre em mente o tipo que irá acompanhar seus desenhos. Fazendo isso, as páginas serão quase sempre agradáveis de olhar e, se for muito bem sucedido, seu livro poderá constituir uma obra de arte.

© tradução: Bárbara Leal, 2000
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