Daniel Berkeley Updike
(1860 - 1941)

Impressor, designer editorial, historiador da tipografia, Updike trabalhou durante 13 anos para o editor Houghton Mifflin, antes de fundar em Boston, 1894, sua própria editora, a Merrymount Press. Por sua “Biblioteca Humanística”, notadamente, produziu belas edições em estilo renascentista. O aspecto comercial não sendo seu forte, porém, Updike decidiu ocupar-se unicamente da feitura de livros para terceiros. Rapidamente alcançou imenso prestígio pela qualidade de seus projetos gráficos, que combinavam admiravelmente beleza, funcionalidade e qualidade de impressão, embora não produzisse edições de luxo. Seu livro Printing Types, Their History, Forms and Use - a Study in Survivals, fruto de uma série de conferências que proferiu em Harvard (1911-16), tornou-se referência absoluta para os estudiosos de tipografia e artes do livro. O ensaio a seguir foi primeiro publicado no Jornal Handicraft de Boston, e posteriormente em seu In the Day's Work (1924). (D. B.)

O estilo no uso do tipo

Tradução de Dorothée de Bruchard

Folha de rosto concebida por Updike
para esta publicação da Merrymount Press, 1908.

Entre as ilustrações comuns aos livros de tipografia, há uma estampa familiar que é uma admirável lição de tipografia moderna — a que ilustra uma amostragem de 1486 de Erhard Ratdolt, de Veneza e Augsburg, e exibe os tipos tidos por Ratholt em sua oficina e com os quais fazia seus livros. São dez tamanhos de letras góticas, três de tipo romano, e um de grego, e com isto, mais o uso de bonitas iniciais, ele criou belos efeitos. Os livros impressos com esta coleção limitada de tipos eram belos porque os tipos em si o eram e porque a própria limitação de seu material criava uma moderação e harmonia que dava estilo à obra. Nenhuma imprensa nos dias de hoje ousaria ater-se a tão parco equipamento.

Do mesmo modo, as vitrines de livros exibidos na King’s Library do Museu Britânico por muito tempo me pareceram o mais valioso curso de educação tipográfica. As que contêm os livros italianos são particularmente educativas no que diz respeito ao estilo. Na verdade, fazendo uma pequena digressão, acho que ninguém pode estudar aquela esplêndida coleção sem reconhecer a preeminência do trabalho italiano no século XV e primeiros anos do século XVI. Há neles um equilíbrio, uma lucidez e um rigor que excede a obra de outras nações. Algo nesses livros é evidente: estão próximos do livro tal qual o conhecemos hoje, o que não é o caso dos livros em gótico. Estes últimos falam de uma época que é, para o homem moderno em geral, uma curiosidade arqueológica. Pois, como disse um escritor renascentista, “o resto da Europa estava livre para rejeitar, ou aceitar, parcial ou totalmente, o vigoroso impulso vindo da Itália. Em prevalecendo a última opção, poderíamos ser poupados das queixas sobre a prematura decadência da fé e da civilização medievais. Ainda estariam vivas, tivessem força suficiente para se manterem. Se uma dessas elegíacas naturezas que anseiam por sua volta pudesse passar uma hora sequer em meio a elas, daria tudo para retornar ao ar moderno.” E isto é verdade não só no que se refere ao pensamento, mas também à vida, às artes e ao comércio. Bem sei que isto não é palatável para os admiradores de Ruskin (se é que ele ainda é lido hoje em dia) que criaram o hábito de aludir à “louca torrente da Renascença”, esquecendo que os livros do Sr. Ruskin eram impressos em tipos que o Renascimento foi o primeiro a oferecer! Mas isto é uma digressão.

Quer parecer-me que os livros de grande estilo e elegância não necessariamente dependiam de tratamento arcaico para essas qualidades; e estão mais próximos dos livros como os conhecemos hoje que qualquer de seus antecessores. Donde eu emitiria o axioma de que um livro não precisa ser arcaico para ter estilo. Este truísmo só é expresso visando aqueles que, detendo mais conhecimento que juízo, têm trabalhado como se pensassem o contrário.

Outra qualidade que contribui para o estilo é a simplicidade; e nisto, mais uma vez, os livros italianos têm muito a nos ensinar. Eram estritamente simples, dependendo apenas de bonitos tipos, bom papel e uma página bem proporcionada para resultar num produto elegante. Qualquer um pode inserir numa página uma grande inicial vermelha, decorada, para ofuscar o espectador em momentânea atração pelo efeito. Mas produzir uma página graciosa e agradável pela simples proporção das margens, tipo, etc., requer estudo, experiência e bom gosto. Pareceria, portanto, que alguns dos mais belos livros sendo isentos de ornamentos, o estilo não depende dos ornamentos, mas antes da proporção e da simplicidade.

Detalhe da página de colofão de Against War, de Erasmo,
com projeto gráfico de Updike e publicado por
sua Merrymount Press em 1907.

Embora a meu ver os livros italianos do Renascimento possuam as mais altas qualidades de estilo que o mundo já tenha visto, creio ser possível atingir praticamente igual qualidade através de quase qualquer sistema que se resolva adotar. Sobre este ponto, há que mencionar o trabalho de William Morris, que possui muita distinção e estilo. Podemos concordar ou discordar de suas conclusões sobre que livros eram os mais belos exemplos de edição, mas ele deixou um ensinamento magistral através do conjunto de cores e unidade de efeito que suas belas páginas apresentam. Ele entendeu o estilo em que trabalhava, suas possibilidades e limitações. Fez uso das próprias limitações de modo decorativo.

Eu disse que a distinção felizmente não está restrita aos livros italianos, nem à escola do Sr. Morris. Nem restringe-se a nenhum grupo de pessoas. O artesão que percebia o valor da simplicidade, da proporção e da cor existiu em várias épocas em todos os países. Encontramos estas qualidades em muitos belos trabalhos franceses do século XVI — o dos Estienne, por exemplo — e em alguns dos primeiros trabalhos alemães, por mais terríveis que tenham sido certos períodos na Alemanha. Mas se é do feitio dos anglo-saxões sorrir, condescendentes, diante de algumas atuais edições do Continente, deve ser lembrado que a imprensa inglesa, a meu ver hoje situada no topo da realização tipográfica, nunca esteve antes nesta posição. Na verdade, a imprensa inglesa nunca apresentou um exemplo de estilo interessante ou valioso até os últimos cento e cinquenta anos, e nesta afirmação — que eu talvez hesitasse em deixar sem respaldo — fico feliz por encontrar apoio no Sr. Alfred Pollard, que observa: “É fácil impressionar-se com a inferioridade dos livros ingleses e seus complementos, como encadernação e ilustração, ante os produzidos no Continente. Comparar os livros impressos por Caxton ao melhor trabalho de seus contemporâneos alemães ou italianos, comparar os livros encadernados por Henry, Príncipe de Gales, aos encadernados para os Reis da França, tentar encontrar uma dúzia sequer de livros ingleses impressos antes de 1640 com xilogravuras (não importadas) de algum mérito artístico real — são três métodos bem eficazes para quem anseia por fortalecer a modéstia nacional... E se me perguntarem em que período a edição inglesa atingiu a eventual primazia que venho exigindo de nossos representantes em todas as artes do livro, ousaria dizer que a possui nos dias de hoje.”

Um “sistema” pode igualmente ser usado com graça, quero dizer com isso uma variante local e característica de um estilo real, que consiga criar uma associação literária e histórica própria. O que chamamos de tipografia Colonial, (ou Georgiana) não passa de um interpretação (não raro exageração) de certos traços dos séculos XVII e XVIII ingleses. É adequado para reimpressões ao modo antigo, ou para um trabalho comercial visando a descrever ou vender produtos antigos, embora seja freqüentemente usado como se tivesse uma beleza em si que lhe permitisse prescindir da adequação. O “colonista”, se pudesse ver os cestos de flores aumentados à escala de ilustrações gigantescas para livros populares, renegaria qualquer participação nesta tumultuosa decoração. A ornamentação corrente daqueles livros não era nem um pouco deste “genre”, na verdade era até meio tímida. Contudo, a tipografia colonial às vezes tem estilo. Mas lembremos que o estilo, resultante da proporção e simplicidade, é mais facilmente encontrado em obras de maneirismo menos acentuado e menos decoração. Suprimindo-se as estranhas tipicidades e decorações da edição “colonial”, sobra muito pouco. A excelência de qualquer estilo dado parece consistir em sua força para existir sem isso tudo, e assim, quanto melhor o estilo, menos dependente ele é de traços típicos ou fantasias.

Mas a ornamentação é, às vezes, necessária, e neste caso entra obviamente o elemento do gosto individual. Novamente, aqui, os primeiros livros italianos e franceses mostram que, com pouca decoração bem escolhida, — apenas o suficiente para dar um ar de caprichado requinte, — pode-se obter o melhor efeito de elegância. Em todas as escolas de ornamentos, também há obras específicas que, por sua graça e discrição, possuem a mesma feliz combinação de estilo e elegância. Em muitos livros modernos há páginas de rosto ornamentadas que possuem tal qualidade em alto grau — exemplos em que a introdução de um bom ornamento bem pequeno parece difundir no livro inteiro uma luz de graça e requinte. Os primeiros impressores, em muitas de suas belas marcas, captaram esta idéia. Uma página de rosto muito despojada e simples continha assim mesmo um ponto de decoração, gracioso no contorno, rico nas cores. Ornamentos mal concebidos e o abuso de bons ornamentos tornaram-se tão comuns que somos às vezes tentados a pensar que a arte decorativa seria a arte de omiti-los!

Ex-libris de Daniel B. Updike.

Finalmente, se toda obra reflete a vida da época em que é executada, a vida atual, agitada e complexa, pode se refletir em nosso trabalho que, em sua falta de simplicidade e calma, seria um eco do nosso tempo. A exageração destituída de gosto e o desejo de superar o colega em efeitos extraordinários, exemplificados em algumas edições americanas, possivelmente se originem das características negativas da vida americana. Por outro lado, o interesse em variar estilos de trabalho e a sua ampla aceitação para fins de tipografia é um traço positivo do movimento industrial atual, sendo também característica de nossa época e país. Seria vão esperar da arte de imprimir a coesão harmônica que não encontramos na arquitetura, na pintura, ou na literatura. Precisamos reconhecer esta falta de coesão, gostando ou não. Melhor que desejar que fosse diferente é aceitá-la e dela tirar o máximo proveito.

Para concluir, o estilo em tipografia não reside de forma permanente em nenhum sistema de trabalho, mas sim, nesses princípios em que quase todos se fundamentam. Sejamos gratos por recentemente as coisas estarem se voltando para uma maior simplicidade, maior discrição e menos ornamentação. E como o tipógrafo está mais e mais privado de auxílio fortuito, deverá lidar com os princípios fundamentais de estilo que marcaram a obra dos grandes impressores do passado; como devem marcar os ainda por vir.

© tradução | Dorothée de Bruchard | 1999
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Imagens: Escritório do Livro